domingo, 27 de junho de 2021

Onde os pobres não tem vez

 


 

Saia eu para uma boa pedalada rumo ao cedro, quando, ainda na saída de casa, me deparei com uma cena, a princípio, normal: uma moça com uma senhora conversando. Não ouvi o que falavam e até não tinha porque dar importância. A senhora era um gari da prefeitura, fazendo o seu trabalho honrado e que muito admiro, principalmente pelas condições que tal trabalho se dá. Sempre expostos ao sol e ao relento, normalmente invisíveis, mais normalmente ainda lembrados, quando tem seus salários, miseráveis, atrasado por total irresponsabilidade do poder público.

Dito isto, prossegui minha ida até meu destino: Partiu cedro! Entre um buraco e outro; entre carros, sol no rosto, vento forte e afins, fui indo no meu caminho. Gente bem vestida fazendo seu “cooper”, tênis dos melhores, alguns bikers também, outras pessoas nos bares, curtindo a vida adoidado como se o tempo não existisse.

Cheguei no cedro, lugar onde não podemos mais subir com a bike, nem que seja empurrando, tomei um folego, bebi uma água, vi gente chegando, gente tirando foto. Tirei aquela selfie top. Puxei conversa com uma desconhecida, comentando justamente a situação de não podermos subir com a bike... enfim, subi na bike e voltei.

O interessante de todo este relato, foi visto na volta. Eis que quem me reaparece? A senhora, gari, e a mesma moça. Desta vez, claro, tive que tirar conclusões: provavelmente eram mãe e filha, provavelmente estavam conversando sobre um assunto importante, ou então, era apenas a filha esperando a mãe terminar o serviço e ir pra casa, juntas. De qualquer forma minha mente foi além daquilo visto naquele momento...

Vi, que a prefeitura passou a semana, não sei se em tom de homenagem ou coisa do tipo, pois procuro não opinar sobre coisas que, primeiramente, acho desnecessárias, e segundo, discutir certos assuntos, onde quem não é cegamente a favor da exposição da sexualidade alheia, ou do trato incondicional de que existe quase que um extermínio de uma determinada raça, é ou racista ou racista.

Como disse, vivenciamos ainda uma pandemia. Algo concreto, algo que levou a morte milhares de pessoas e de uma forma ou de outra, mudou a vida de todos nós, sejamos heteros ou não. Nessa esteira, os pobres certamente ficaram mais pobres, mas não acredito que os “intolerantes” tenham ficado mais intolerantes.

Costumo não ver pessoas e cores. Sou do tempo em que “negão” era nome e sobrenome do meu pai, sem mi-mi-mi e essas coisas de hoje em dia. Fora isso, será que com essa compartimentação social, nos tornamos mais “tolerantes”? O mundo é um lugar melhor só porque agora temos o arco-íris como bandeira nacional?

Não entendo, não compreendo e não vejo como isso seja importante. Para mim é muito mais uma questão política, para angariar votos e eleitores, do que um real comportamento de se importar com determinada causa. Nem vou entrar aqui na velha e batida questão de “dividir e conquistar” ...

Nessa mesma questão de compartimentar determinado seguimentos sociais, poderíamos passar pelos defensores dos cães, gatos, cobras e todo tipo de bicho que podemos trancar em casa e chamar de “meu bebê, filhinho”. Mais uma vez não critico que acha que temos problemas de menos e tem seu tempo de dar mais importância a bichos do que a pessoas.

Claro que sai do cerne do texto, mas contextualizar tudo que acontece ultimamente, além de cansativo, é depreciativo, no sentido de realmente valorizar os problema reais.

A pobreza é o único problema real que existe. O resto é invenção da cabeça dos homens, normalmente ricos e poderosos, que tem inteligência o bastante para gerenciar tipos sociais e ver neles apenas uma boa oportunidade para angariar votos.

Sendo a pobreza o grande problema real, qual a atual programação do poder público para ir de encontro a pobreza? Qual a semana do GARI? É só um café da manhã e pronto? É só uma foto de começo de gestão e pronto? Infelizmente é só isso.

Aquela garota que andava pelas ruas com a mãe, jamais poderá desfrutar das beneficies de uma sociedade doentia e avarenta como a nossa; ou ela “rala” muito, quebra milhares de barreiras, ou será apenas mais uma na multidão. Não teremos a semana dos filhos dos garis, nem muito menos teremos bolsas de estudos bancadas para crianças de baixa renda.

O plano é não ter plano. O plano é apenas fazer de conta que o problema é de ordem sensorial, onde cores, sejam a do arco—íris ou negros e brancos, são estigmas a serem combatidos.

Eu vejo o céu azul, o sol amarelo, as nuvens brancas ou cinzas, mas nunca vi um gari com bota nova, roupa limpa e os filhos com grandes oportunidades.

Desde já deixou claro que este texto não é uma crítica a quem quer que seja, mas apenas uma reflexão de alguém que acha que todos somos iguais em diferentes formas e sentidos. Respeito por demais o ser humano. Tento ser o meu melhor, fazer o melhor e principalmente, não sendo um problema a mais para um mundo já tão problemático.

Vamos em frente, pois lutar é a única opção. Parabéns aos garis, parabéns aos brasileiros que trabalham de forma humilde, que por vezes nos são invisíveis, mas que fazem nosso mundo funcionar. Este trabalhador, humilde, é o verdadeiro merecedor de nossa atenção e dedicação.

terça-feira, 22 de junho de 2021

O que é presença?

 


 

O dicionário diz que PRESENÇA é “fato de (algo ou alguém) estar em algum lugar”. Em tempos como os de hoje, se é que um dia foram diferentes, onde a morte paira em cada olhar e se debruça, por vezes, em nosso imaginário, estar presente é estar vivo entre os vivos; no caso, ter escapado da pandemia.

Mas será que damos tanta importância assim a vida? Estamos realmente presentes em todos os dias frente aos nossos entes ou até mesmo as demandas da sociedade? Será que somos tão oniscientes, pelo menos em pensamento, em achar que cada centímetro da nossa existência é necessário à nossa presença?

Perguntas assim, de cunho filosófico, não são menos existenciais do que as pessoas que sequer nisso pensam: na existência presente. É comum, normal, achar que um abraço ou uma ligação telefônica, em vídeo ou coisa do tipo, seja um estar presente. Eu vejo, logo sinto; e se sinto, é porque estou vendo. Nada mais nos deixa distantes! Somos e vivenciamos o realismo distante e presente.

Lembranças são acessadas ao toque dos dedos; baixadas, compartilhadas, filmadas e afins. O tempo e o tempo todo estão na linha do tempo das redes sociais. Sorrisos cada vez mais brancos são presenças cada vez mais nítidas? Mais pixels, mais nitidez, mais poder de estar?

São muitas perguntas e um 100 número de respostas.

Tantas lembranças assim me dizem que os tempos não mudaram, mas sim a nossa percepção de ESTAR. Deixamos de ser carne e osso e cada vez mais nos tornamos digitais. O que ontem era apenas passado, pode ser visto na palma da mão. os sentidos humanos estão sendo substituídos pela onipresença das máquinas. Teremos mesmo uma revolução cibernética?

O que no começo do texto era apenas uma palavra, PRESENÇA, agora se torna uma coisa eterna, digital.

Todo dia o Facebook me lembra do que aconteceu há 1 ano, 7 anos! Será que eu quero lembrar tanto assim? Será que queremos estar tão presentes em tantos passados diferentes? Será que temos capacidade de ficar lembrando e lembrando diariamente de pessoas e coisas? A vida deixou de ser contínua e tênue e virou rígida e “lembrável”? Ver entes que não estão mais entre nós, diariamente, não nos traz saudades demais? É bom vivenciar cada vez mais o passado?

Estar presente deveria ser pelo tempo que for e não pelo tempo de nossa existência. Estar presente ou presença, deveria ser mais breve, porém mais forte. Nossa fortaleza de pensamentos está cada vez mais frágil, não pelo tormento da lembrança contínua, mas pela banalização a presença.

As lembranças, boas ou ruins, deveriam ir e vir em nossas mentes e não em nossas telas. Desapegue-se do agora e viva o daqui a pouco. Coloque um pouco de expectativa para o daqui a pouco, fique ansioso, viva! É bom lembrar de quem já não está aqui entre nós, é melhor ainda lembrar daquela viagem ou daquele abraço, mas que seja em nossa mente humana e não na onipresença cibernética dos bits.

Nada melhor que a lembrança de um cheiro ou de um abraço dado. Somos tão humanos que por vezes esquecemos de esquecer o quanto é bom ter uma lembrança. A humanidade carece de um forte abraço e de lembrar quão éramos aconchegantes.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Os paços que escuto

 


 

Se fechar os olhos, mesmo que não precise, escuto os paços dos que passam e dos que passaram. Reconheço-os só de ouvir, seja na memória, seja agora.

Alguns desconhecidos, são apenas sons vindos de fora; até mesmo alguns que entram, entregam e saem, sem muito dizer. Porém, a maioria, seja dos vivos e dos mortos, passeiam pela mente, dizem a que vieram e quem são.

Não conhece o seu amor só de ouvir seus passos? Os passos são seguidos, contínuos ou continuados, mas nunca iguais, mesmo que sejam da mesma pessoa. Há passos mais fortes, outros mais vagarosos; uns se arrastam, outros apenas passam.

Há aqueles de saudade em ouvi-los! Já vinha me dar um carão ou mandar fazer algo, mas que hoje são apenas lembranças. Quem nunca se escondeu ao ouvir tais passos que o tempo levou? Que nunca temeu as notas ruins do boletim escolar? Quem nunca se apressou no banheiro, no chuveiro ou no quintal?

“Vem vindo alguém, corre!” Essas lembranças são passadas, mas são de um ininterrupto presente. Hoje, quem sabe, eu volte a sonhar com tudo isso! Que foi apenas um engano do tempo de agora, pois estão todos por aí, andando entre nós.

Serão almas ou serão sermões? Não sei, mas as escuto todos os dias. Quem me garante que são realmente de verdade e que não são apenas imaginação?

Lá fora, além do barulho, aqui dentro, além dos gritos, a saudade se distancia da realidade num passo que nunca para. “Este foi dele”, “aquele é de alguém”! Todos caminham sem findar, imemoriais, eternos, sejam eles de um ou dos outros.

Está ouvindo? Estão passando, um por vez, um atrás doutro e doutro, num compasso sem música, numa marcha singular. São vários, várias, variados, visões que meus ouvidos não param de escutar. São muitos, todos os dias, eu sei...