Sempre foi uma época de festa. Claro que há,
evidentemente cada vez menos, uma sagrada imersão no sacrifício de cristo. Uma
imersão e uma reflexão para poucos. Ao meu ver, é mais uma data.
Conto demais essa história, onde eu e meu amigo Joel
saímos a procura do que comer, em plena sexta feira santa.
Era uma tarde, tipo 2h da tarde, fomos ali pela
rodoviária, dizendo eu que ali havia uma lanchonete que nunca fechava... ledo
engano, pois fechada estava. Subimos lagoa adentro e nada. Subimos ginásio,
descemos pro centro e nada. Chegando perto da loja do seu adilon, tinha, ainda
tem até hoje, eu acho, uma lanchonete aberta.
Bingo! La entrando uma senhora até simpática nos recebeu.
“querem o quê?” Ele sempre muito calado, calado ficou; eu não tão falante, mas
sempre gaiato, disse que queríamos pastel. Ela disse que tinha! Mas que só não
venderia de carne, pois era sexta-feira santa...
Eu, não sei se por ignorância, perguntei qual era o
problema? Ela continuou a dizer que era sexta-feira santa. Claro que eu sabia
que é um dia que não se come carne. Eu, nunca comia, pois meu pai sempre
comprava bacalhau, mas naquela sexta-feira, eu estava apenas com os amigos em
casa.
Continuamos a insistência, Joel com uma paciência comum a
ele, apelou: “bora sair fora, ela não vai vender.” Não pisquei e continuei a
insistir. Ela vendia a de frango ou de queijo, mas carne não. Papo vai papo
veio, até que chegou alguém pedindo pastel, também e de carne. Ela deve ter pensado
que era algum tipo de teste, e talvez fosse.
Só que éramos 2 garotos, moral zero diante uma senhora.
Chega um homem e ela diz que tem de carne, frango e queijo, mas... não
aconselhava o de carne pois era sexta-feira santa. Eu lembro até hoje o sorriso
quase que maquiavélico e sarcástico do joel, tipo: “Sai dessa agora, tia.”
Ela não teve escolha, foram 4 lindo pasteis, 2 de carne e
2 de frango. O mais interessante é que Joel não quis comer o de carne. Eu
fiquei indignado! “mah como é que tu me fazes brigar meia hora por esse pastel
e na hora “H” não vai comer.” Ele disse: “vai que é de verdade esse negócio de
sexta-feira santa...” respeitei.
Já pra chegar em casa, esta que havia deixado ótimas mãos,
de longe avistei as pessoas, que saiam em procissão, olhando aqui pra casa. A
cena foi surreal, mais pela vergonha alheia do que pela cena, normal, em dias
normais... Um dos “cuidadores” da casa estava simplesmente em cima da laje do
muro, sem blusa, rodando a mesma no ar... Foi uma imagem insólita! Todo mundo
olhando pra casa, a procissão toda!
Pensei no que meu pai havia dito antes de sair e me
deixar em casa com a galera: “tome cuidado com a casa; sem extrapolar.” Ah sim,
aquilo era mais que extrapolar, era escandalizar!
De longe eu ouvi “robocop gay”, clássico da época! O som não
poderia estar mais estridente! . Foi engraçado, não vou mentir. Nunca me liguei
dessas datas, aliás, nunca gostei da hipocrisia dessas datas.
Tudo isso é inesquecível na minha mente. Chega essa época
e sempre lembro dessa história, desse dia, onde as preocupações e ocupações
eram outras, onde a vida era brincadeira.
Todos os personagens desta história seguiram seu caminho,
apenas eu, aqui e agora fiquei. Lembro com saudade daqueles tempos, mas a vida
é isso.
Hoje, em meio a esses dias turbulentos, onde as pessoas
estão proibidas de irem à igreja, eu vejo que datas são apenas datas, o que
vale realmente é aquilo que elas refletem no tempo das nossas lembranças, pelo
que nos marcam. Nunca imaginei que deus e a fé, aquela mesma fé que não me
deixa comer carne, pois era sexta-feira santa, estariam relativizados por
qualquer motivo.
Deus deveria e sua casa também, serem inatingíveis. Deus
mais além disso, deveria ser absoluto. Que vale o homem sem uma fé? Joel não
era tão afeito a igreja, mas naquele instante preferiu ouvir a voz da senhora,
dizendo que era sexta-feira santa e que não devíamos...
Ele no bom lugar está, enquanto nós, aqui, vemos a fé
faltar em meio a tanta razão. Vamos em frente, pois a luta é a única glória.