Não sou um qualquer, menos
ainda qualquer um; ninguém deveria ser, pois deveríamos todos sermos
especialmente especiais, únicos em imperfeição. Mas dentre meus defeitos, a
saudade, como uma roupa em farrapos, de tanto usá-la, se nega a partir. E eis
que espero dela, jamais me despedir...pelo menos não tão cedo.
Estaríamos aqui, nesta época
carnavalesca, rumando ao Triunfo, ali depois da Ibaretama, para a vivenda Sheila
Maria. Um lugar onde várias outras tantas famílias se reuniram por décadas, em
várias datas festivas, comemorativas e afins.
Mas nós, de posse do empréstimo
da casa, íamos no carnaval. Eu não conheço esta data como a maioria das pessoas
conhece. Como não bebo, não gosto de aglomerações, não cheiro e não fumo, sou
tipo careta, mesmo sendo um baita sonso. Como diria Nelson: Só as paredes confesso...
E nessa infanto-adolescência,
nesse tempo hoje tão saudoso, íamos passar o carnaval por lá, no Triunfo. Desde
já, certa vez, fomos numa rural, salvo engano emprestada pelo chico Martins;
era coisa demais nessa rural: desde gente, a comida e uns ótimos pães feitos
pela “irmã suelo”.
Como muitas vezes fomos para lá,
farei um mix de lembranças!
A viagem da rural era muito
clássica. Desde a saída, aquele cheiro de fumaça, diesel e só deus sabe mais o
que, ainda hoje entranha as lembranças. Chegado lá, íamos, digamos, fuçar os
quartos, pois me diga se não é isso que os ratos fazem quando os gatos saem?
Melhor dizendo, íamos direito olhar piscina!
Não éramos pobres, mas, porém,
humildes demais para ter uma piscina em casa. A piscina pequena, mas era a
glória em forma de buraco e água. Simples, não?
Papai já se ajeitava com seu
som cassete e as eternas marchinhas carnavalescas. Era fita atrás de fita; era
o que se tinha de mais perto de uma folia! Deus sabe o quanto era bom aquele
tempo...
Mas a piscina não estava
cheia. Tínhamos que esperar pelo menos um dia pra que ela enchesse. Na primeira
noite sempre existia essa expectativa da piscina encher. Passávamos a noite
acordado, tentando fazer o outro ter medo do quadro do Mickey. Juro, ele era
fantasmagórico! Reza a lenda que o Mickey se mexia no quadro. Era um terrorismo
total.
Mal raiava o dia e já
estávamos lá de pé, frente a piscina. Não importava se tinha enchido ou não, o
que importava era que tinha água no buraco e dava, quase, pra fazer aquele “timbum”.
Porém, estamos esquecendo a merenda. Recordo demais o nosso saudoso Joel,
olhando pra mim querendo perguntar quanto de café tinha que colocar na xícara.
Certamente, tanto ele quanto o “dodim” jamais havia tomado Nescafé. Eu, sem
muita malícia, disse que podia botar o quanto quisesse...eis que botaram café
demais! Porque você colocar 3 ou 4 colheres de café numa xícara...Nunca esqueci
isso!
Passada a fase da acomodação e
estadia, a piscina era o foco. Enxia, não enxia. E papai já estava trabalhando
naquele litro de cana. Pra ele, que jamais havia comido chocolate e não sabia o
que era beber Coca-Cola, cachaça era o extase! Litro e meio desciam fácil...
Mas o que mais me
impressionava nele, era a capacidade de beber sozinho, escutando um mix de
carnaval-marchinha e “a volta do boêmio”. Não havia nada que o atrapalhasse. Perna
cruzada, cigarro na mão, óculos escuros, fita ia fita vinha e ele não dava uma
palavra.
O que tento hoje a todo custo,
fazendo meditação ou respiração controlada, papai fazia com cana, um sonzinho e
o eterno cigarro. Ele entrava num flow inatingível. Vez ou outra alguém gritava
lhe perguntando algo e ele, acho eu, nem escutava, assentia com a cabeça. Ninguém
sabia se era sim ou não, mas estava respondido.
O meio-dia chegava e com este
chegava o almoço. Nós, meninos, mulheres e crianças, não tínhamos a prioridade
de comer primeiro, era o atual dono da casa; um flagrante caso de respeito aos
mais velhos!
Até aí, aparentemente, nada
demais, mas era uma cena foda! Papai comendo aquela panelada quente, com cuscuz
e arroz, levantava-se e sem nada dizer, mergulhava na piscina. Ficávamos absortos,
incrivelmente maravilhados com a destreza e a coragem, pois quem tem essa
coragem de mergulhar numa piscina após comer uma comida quente e pesada quanto
aquela?
Diga-se de passagem, até hoje
a mamãe diz pra não abrir a geladeira, porque ela comeu caldo quente...minha mãe,
o que é um caldo quente e uma geladeira, frente a um mergulho triplamente qualificado,
após uma panelada! Claro que se ele estivesse aqui, diria a ele que sobreviveu
ao mergulho, mas...
Saía ele doutro lado da
piscina, com aquele calça azul-marinho e pasmem! De óculos. O homem era um
super-herói! Voltava, sentava, uma terça de cana e mais marchinha.
Aqui uma coisa interessante:
com o passar e o avançar do dia, a marchinha dava lugar a “boemia”. Aparentemente
papai já roía muito antes de conhecermos Bruno e Marrone ou a lendária Marília Mendonça.
Aqui cabe dizer que será o nome da sua neta, meu pai, Marília.
Voltamos...
Nelson Gonçalves, Amado
Batista, Ataulfo Alves, Reginaldo Rossi e tantos e tantos outros, faziam a
festa!
Como disse logo no começo “lembro
a saudade que hoje invade os dias meus...” Que me desculpem todos os viventes,
mas até hoje, só consigo lembrar e chorar, ao mesmo tempo, deste homem chamado meu
pai.
Todo tem seus amores e suas histórias,
dedicando publicações e fotos, mas eu tenho uma vivência e admiração por este meu
pai. Não por ter sido alguém, mas por ter sido tudo que eu jamais serei.
Posso fazer mais e melhor, mas nunca igual.
Os carnavais irão passar e com
ele novas histórias, boas ou ruins, mas nada se comparará a estar naquele Triunfo,
com aquele ambiente, com aqueles que já partiram. Só tenho a homenagear e pedir
a deus que tudo transcorra da melhor forma possível.
Que todos tenham um bom
carnaval, mesmo eu não gostando da data...como disse antes, nada se compara com
aqueles velhos e bons tempos...