sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Carnaval... “Lembro a saudade que hoje invade os dias meus; para o meu mal, lembro, afinal, um triste adeus”

 


Não sou um qualquer, menos ainda qualquer um; ninguém deveria ser, pois deveríamos todos sermos especialmente especiais, únicos em imperfeição. Mas dentre meus defeitos, a saudade, como uma roupa em farrapos, de tanto usá-la, se nega a partir. E eis que espero dela, jamais me despedir...pelo menos não tão cedo.

Estaríamos aqui, nesta época carnavalesca, rumando ao Triunfo, ali depois da Ibaretama, para a vivenda Sheila Maria. Um lugar onde várias outras tantas famílias se reuniram por décadas, em várias datas festivas, comemorativas e afins.

Mas nós, de posse do empréstimo da casa, íamos no carnaval. Eu não conheço esta data como a maioria das pessoas conhece. Como não bebo, não gosto de aglomerações, não cheiro e não fumo, sou tipo careta, mesmo sendo um baita sonso. Como diria Nelson: Só as paredes confesso...

E nessa infanto-adolescência, nesse tempo hoje tão saudoso, íamos passar o carnaval por lá, no Triunfo. Desde já, certa vez, fomos numa rural, salvo engano emprestada pelo chico Martins; era coisa demais nessa rural: desde gente, a comida e uns ótimos pães feitos pela “irmã suelo”.

Como muitas vezes fomos para lá, farei um mix de lembranças!

A viagem da rural era muito clássica. Desde a saída, aquele cheiro de fumaça, diesel e só deus sabe mais o que, ainda hoje entranha as lembranças. Chegado lá, íamos, digamos, fuçar os quartos, pois me diga se não é isso que os ratos fazem quando os gatos saem? Melhor dizendo, íamos direito olhar piscina!

Não éramos pobres, mas, porém, humildes demais para ter uma piscina em casa. A piscina pequena, mas era a glória em forma de buraco e água. Simples, não?

Papai já se ajeitava com seu som cassete e as eternas marchinhas carnavalescas. Era fita atrás de fita; era o que se tinha de mais perto de uma folia! Deus sabe o quanto era bom aquele tempo...

Mas a piscina não estava cheia. Tínhamos que esperar pelo menos um dia pra que ela enchesse. Na primeira noite sempre existia essa expectativa da piscina encher. Passávamos a noite acordado, tentando fazer o outro ter medo do quadro do Mickey. Juro, ele era fantasmagórico! Reza a lenda que o Mickey se mexia no quadro. Era um terrorismo total.

Mal raiava o dia e já estávamos lá de pé, frente a piscina. Não importava se tinha enchido ou não, o que importava era que tinha água no buraco e dava, quase, pra fazer aquele “timbum”. Porém, estamos esquecendo a merenda. Recordo demais o nosso saudoso Joel, olhando pra mim querendo perguntar quanto de café tinha que colocar na xícara. Certamente, tanto ele quanto o “dodim” jamais havia tomado Nescafé. Eu, sem muita malícia, disse que podia botar o quanto quisesse...eis que botaram café demais! Porque você colocar 3 ou 4 colheres de café numa xícara...Nunca esqueci isso!

Passada a fase da acomodação e estadia, a piscina era o foco. Enxia, não enxia. E papai já estava trabalhando naquele litro de cana. Pra ele, que jamais havia comido chocolate e não sabia o que era beber Coca-Cola, cachaça era o extase! Litro e meio desciam fácil...

Mas o que mais me impressionava nele, era a capacidade de beber sozinho, escutando um mix de carnaval-marchinha e “a volta do boêmio”. Não havia nada que o atrapalhasse. Perna cruzada, cigarro na mão, óculos escuros, fita ia fita vinha e ele não dava uma palavra.

O que tento hoje a todo custo, fazendo meditação ou respiração controlada, papai fazia com cana, um sonzinho e o eterno cigarro. Ele entrava num flow inatingível. Vez ou outra alguém gritava lhe perguntando algo e ele, acho eu, nem escutava, assentia com a cabeça. Ninguém sabia se era sim ou não, mas estava respondido.

O meio-dia chegava e com este chegava o almoço. Nós, meninos, mulheres e crianças, não tínhamos a prioridade de comer primeiro, era o atual dono da casa; um flagrante caso de respeito aos mais velhos!

Até aí, aparentemente, nada demais, mas era uma cena foda! Papai comendo aquela panelada quente, com cuscuz e arroz, levantava-se e sem nada dizer, mergulhava na piscina. Ficávamos absortos, incrivelmente maravilhados com a destreza e a coragem, pois quem tem essa coragem de mergulhar numa piscina após comer uma comida quente e pesada quanto aquela?

Diga-se de passagem, até hoje a mamãe diz pra não abrir a geladeira, porque ela comeu caldo quente...minha mãe, o que é um caldo quente e uma geladeira, frente a um mergulho triplamente qualificado, após uma panelada! Claro que se ele estivesse aqui, diria a ele que sobreviveu ao mergulho, mas...

Saía ele doutro lado da piscina, com aquele calça azul-marinho e pasmem! De óculos. O homem era um super-herói! Voltava, sentava, uma terça de cana e mais marchinha.

Aqui uma coisa interessante: com o passar e o avançar do dia, a marchinha dava lugar a “boemia”. Aparentemente papai já roía muito antes de conhecermos Bruno e Marrone ou a lendária Marília Mendonça. Aqui cabe dizer que será o nome da sua neta, meu pai, Marília.

Voltamos...

Nelson Gonçalves, Amado Batista, Ataulfo Alves, Reginaldo Rossi e tantos e tantos outros, faziam a festa!

Como disse logo no começo “lembro a saudade que hoje invade os dias meus...” Que me desculpem todos os viventes, mas até hoje, só consigo lembrar e chorar, ao mesmo tempo, deste homem chamado meu pai.

Todo tem seus amores e suas histórias, dedicando publicações e fotos, mas eu tenho uma vivência e admiração por este meu pai. Não por ter sido alguém, mas por ter sido tudo que eu jamais serei. Posso fazer mais e melhor, mas nunca igual.

Os carnavais irão passar e com ele novas histórias, boas ou ruins, mas nada se comparará a estar naquele Triunfo, com aquele ambiente, com aqueles que já partiram. Só tenho a homenagear e pedir a deus que tudo transcorra da melhor forma possível.

Que todos tenham um bom carnaval, mesmo eu não gostando da data...como disse antes, nada se compara com aqueles velhos e bons tempos...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

É Morro abaixo

É o pensamento indolente
A clareia no deserto.
É como estar por perto,
Mas distante e inclemente.

É o afoite sem dor
O vago de pensamento
É como estar, por dentro,
Aberto ao ódio e ao amor

Ao mesmo tempo
Ao mesmo fim
Ao quem sabe
Ao aí de mim.

Aqui não cabe
Por isso transborda
Mas ninguém sabe
O quanto importa.