segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

nada mais que a verdade

Como meu avô paterno, Carlos Nogueira de Milão, morreu quando eu tinha pouco mais de 6 meses, coube ao cabo Edi ser a imagem de um avô. E assim vamos nós...

Lembrar de coisas boas, saudosismo, é como sentar a beira da estrada da vida e olhar em perspectiva. Claro que muitas histórias eu ouvi; coisas que iam e vinham na minha imaginação; coisas tipo fazer mel de rapadura pra sustentar uma família com 10 filhos, ou passar longos anos com apenas 3 cartuchos de 7.62mm quando era “delegado” na várzea da onça... mas gosto, não só de sentar à beira da estrada, mas ir e vir com os carros que passam e sentir o que eles dizem.

Certa vez, meu avô materno, cabo Edi, precisava ir na maternidade aqui de Quixadá. Aparentemente, não havia quem fosse com ele e eu me dispus a ir. Ele de poucas palavras, mas de passos rápidos, saímos rumo a maternidade. Não perguntei o que ele ia fazer lá, mas certamente não me importaria, pois uma viagem dessas era ir e voltar sem ter tempo pra pensar.

Num determinado ponto da ida, notei que tanto eu quanto ele nos alternávamos do lado direito da calçada; era como uma corrida de carros, onde estar do lado de dentro da curva faria toda a diferença. Vi que ele não fazia qualquer esforço pra andar mais rápido que, tanto que eu disse a ele: “meu vô, leve a mal não, mas vamos mais devagar”.

Acho que ele pensou que eu havia dito isso por causa da idade dele, que certamente já beirava os 70 anos ou mais; porém, como sempre fazia, ele se fazia de doido pra melhor passar e continuamos rápido.

Eu era novo, não tinha 30 anos, mas estava penando para acompanhar o ritmo! Ele sempre fazia uma caminhada toda manhã, cedo, madrugada e eu, sei lá o que fazia, mas com toda certeza eu teria muito, e tenho, que me esforçar pra acompanha-lo, tanto na idade como na vida.

Mas continuava a troca de lados na calçada, mas sempre era a disputa pra quem ficava do lado direito. Numa certa altura da viagem, disse a ele: “meu vô, me diga uma coisa, porque é que você só anda desse lado da calçada?” A princípio, acho que ele, mais uma vez, se fez de doido e só andou...e agora, ainda mais rápido.

Caba do sertão, ligeiro, não tem tempo pra enxugar o suor nem dar conversa a gente besta; nesse caso, com toda certeza, besta era eu. Ele lidou com gente ruim; contava que certa vez, prendeu um meliante na várzea da onça e trouxe o caba amarrado pelas mãos, até a cidade. Trouxe, literalmente, quase arrastado. Ele veio de cavalo e o bandido de pé. Imagine isso nos tempos de hoje...

A viagem continuou e continuou e chegamos novamente em casa. Dom lucas, 251, campo velho. Eu estava suado demais para perguntar mais alguma coisa. Estava cansado demais! Mas nunca deixei de me perguntar, pois ele nunca me respondeu: por que o senhor só anda do lado direito da calçada?

Noutra feita, saia eu de casa dizendo a minha mãe: vou lá no vô. Esse dia foi épico! Eu vi o que não vi! Atenção, só sou responsável pelo que digo, mas não pelo que você entende ou acredita.

Seria apenas mais uma das centenas de visitas que eu fazia... quando cheguei na esquina, da famosa zeneide, lá estava ele na janela. Até aí tudo normal, pois eu fiz esse trajeto centenas de vezes.

Já pisando na calçada, fui longo pedindo a bença; ouvi o “deus abençoe” e não vi mais nada. Quando cruzei a porta, ele, que estava na janela, não estava mais lá! Parecia que eu havia cruzado um portal! Eu olhei, andei mais uns passos e ouvi uma voz atrás de mim, na janela, dizendo: não me viu né?

Fiquei, como ainda até hoje estou, sem entender. Eu cheguei e ele estava na janela, quando passei pela porta ele não estava mais lá! Eu conto e ninguém acredita: meu vô ficava invisível! E ele ficou.

Por vezes me pergunto se eu mentiria sobre alguém que já faleceu. Acredito que não. Mas de qualquer forma, foi o que não vi, literalmente, o que aconteceu. E ele ainda se regozijou, dizendo: não me viu, né?

Não mesmo.

Mas ele explicou que era uma oração que ele fazia, mas que demandava muita energia ou coisa do tipo e que não era algo que sempre fazia. Aparentemente, era algum tipo de poder místico ou sei lá o quê; de qualquer forma, sei o que não vi.

Poderia dizer mil outras coisas; poderia falar da vez que passou um homem vendendo rede e ele fez o homem mostrar umas 10 redes e no final disse que não dormia de rede porque tinha diabetes. Eu olhei assim e fiquei sem entender. Mais ainda ficou sem entender o vendedor de rede. Que tinha a ver diabetes com dormir de rede?

Falando em rede, ele me disse e carrego comigo até hoje essas palavras: meu neto, se você ficar dentro duma rede, o máximo que pode acontecer é o punho quebrar e você cair no chão... muita verdade nessa frase.

Leitor da bíblia, pai, humano, fraco e forte, tudo isso foi meu avô. Costumo pensar que não existe honra nesse mundo que vivemos, mas existe história e essa ninguém pode nos tirar. Aprendi muito naquela janela, desde o que fazer ao que não fazer, onde via idas e vindas, boas ou ruins, de frente ao cabaré ou de costas para a casa, dizia-nos ele o que a vida não é, pois o que ela é, todos nós sabemos.

A vida é, nas palavras dele, tudo aquilo que fazemos pelo lado direito da calçada: é o lugar mais seguro para se andar; e tudo isso sem muitos motivos, apenas é o que é.

sábado, 21 de janeiro de 2023

menino

Cresça, menino, cresça
Comece tudo sozinho.
Depois, quem sabe, apareça,
E me conte sobre viver sozinho.

Desça, menino, desça 
Seu pedestal é seu moinho.
Esqueça, mas não esqueça,
De lembrar de nós  só um cadinho 

E nesse balanço noturno
Um som faça lembrar de nós
Quem sabe estejamos sós 
Ou ocupados demais com o futuro.

Sexta, menino, sexta,
Não será a feira de corações?
Besta, mas é besta
De pensar em tantas emoções...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

"Criança "

Não sei o que é verdade,
Meus olhos vivem cansados.
Se os abro, perversidade.
Se os fecho, chego a sonhar.

Então que mal nisso há?
É normal piscar com um cisco
É mal deitar se preciso
Ou então, é tudo ilusão?

Dizem não ter perdão
É crime, de fato, se meu ato
Foi sonhar demais.

Aquele tempo atrás...
Não voltará!
Será?

Prefiro ir de olhos abertos,
Pois se fomos descobertos
É só mergulhar.

Que mal nisso há?
Ninguém sabe, ninguém destrói
Te corrói, será?

Me dê sua mão e venha
Não se detenha
Confie!

Desfile seu esplendor
Sem qualquer avareza
Deixe lucro, não despesa!

Não tenhamos pressa
A felicidade partiu
E se saiu...

Vamos com os olhos pensar,
Falar bem baixinho,
Tudinho...

Já não sei o que não é verdade 
Com a idade, meus pensamentos
Tornaram-se lentos, rabugentos
Não são nada além de ilusão...

Então, porque não ficar?
Sentado, vagando, andando
Rimando, postergando, aliviando,
Abrindo os braços aos abraços!

Que o vento na brisa te leva
Te eleva, pois é bom flutuar!
Quem anda despreza 
Mas é o que temos pra dar.

Raiva, os teus olhos de ódio 
E os meus fechados.
Não quero ver outro episódio,
Com meu coração queimado.

O último recado, prometo:
Somos bons e sujeitos,
Cheios de predicados
Objetos diretos e adverbiais.
Sinais, menos é mais 
Mais com menos, jamais!

É um jogo de olhos fechados
Pois a verdade é sua versão.
Então, mesmo neste estado
Fechados, vejo melhor que você.

Eu sonho, me decompondo,
Me indisponho, risonho
Petrificado, instado, aliviado,
Medonho...é você mesmo, aí?

Aqui, ali, um longo texto
Um pretexto, um detesto!
Protesto, pula esse "esto",
Vamos indo, caindo.

Prometo, último soneto:
Nem depois nem antes da morte,
Em meio a qualquer circunstância
Nao foi sorte, nem destino,
Rumino, menino, crítico...
Você não lerá, 
Pois o privilégio
É colégio,
onde analfabeto não há.

Agradeço, o apreço 
E o tempo desperdiçado 
Num estado de pura e plena penúria
Nos "alúia", "alumia",
Que a antes...
Agora é senhorá.