domingo, 1 de março de 2020

Cuidado com as escadas.

Chega a chuva e quem não tem telhado de vidro, e sim de telha, sabe o quanto uma goteiras pode desagradar.
Goteiras são, por natureza, o asfatamento de uma telha noutra ou a quebra da mesma. Por elas passa a água, que molha o forro. Causam manchas. Envelhecem qualquer teto, isso quando não o fazem cair.
Numa dessas chuvas, com raios e trovoadas, me senti na obrigação de subir, felinamente, no telhado. Que ideia... mais uma vez, raios, chuva e trovões... falei que estava escuro?
Então, era noite e chovia forte. O vento poderia facilmente derrubar mais que as folhas amareladas da acácia, que há anos jaz microscocopicamente na calçada de casa, mas uma fruta madura ou um cara de 40 anos, pessimamente preparado.
Mesmo assim, todas as vezes, nós homens vivemos menos que as mulheres. Poucos são os que sobrevivem nessa aventura da vida; aliás, realmente, ninguém sobrevive! Enfim, no telhado, vento, chuva, escuridão, fios elétricos, telha escorregadia, raios por todos os lados, mas a goteiras estava lá, pujante! Nocauteando, quase, meu dever de resolver.
Subi. Escada pequena, cachorro enlouquecido... "sai daí doido!" Calma, totó. Já comecei ralando o joelho. Bom começo. Calção rasgou o fundo e eu nem havia subido ainda. Ouço alguém cochichar: " esse não volta mais". Eu também comecei a pensar o mesmo.
Com a barriga na laje, tentando alcançar a parte superior do muro, senti que ou eu ia ou eu cairia. Caramba! Desespero! Por sorte, consegui encaixar a mão por baixo do fio grosso do ar condicionado. Heim?! Pois é, um fio, molhado pela chuva que caia mais complacente com minha situação, mas que nem por isso enxugou aquele fio.
Pensei: " ou eu puxo e morro dum choque, ou levo uma queda, não tem grande, mas que abalará, para sempre, minha masculinidade.
Entenderão o pensamento? Morrer dum choque ou ter a masculinidade ferida! Claro que puxei o fio! Morrer fazendo uma grande merda, é ou não é algo louvável?
Pronto. Fase 1 concluída com sucesso. Joelho ralado, mas a masculinidade preservada. Olho, procuro pela goteiras. Uma pequena lanterna na boca, muito "operacional", estilo filme hollywoodiano. Sim, lanterna de herança do papai! 
Procurando e provavelmente acho a goteira. Uma telha afastada. A dúvida se era só aquilo mesmo, pensei ser e recoloquei-a. 
Problema resolvido, agora é só descer pela escada que era pe...que...na... me sentei na ponta da laje, o cachorro em baixo, indo e vindo, um raio rasga o céu e eu pensei: " bombeiros". Sério! Não tinha como descer e não dar uma grande m*. E agora? Besteira. Vamos analisar novamente. Mas a escada não cresceu após análise. 
Assim, tive a grande ideia de ir por cima do telhado! Ora, que mal teria? As telhas estão apenas escorregadias! Pé na calha cheia de fio molhados? Melhor não. Pé na telha? Escorreguei. Já não tinha, o calção, fundos pra rasgar. Eu pensei que melhor seria arriscar pela calha, pois os fios eram aqueles da Coelce... Sim, Coelce! Enel dá azar, porra. Pois, os fios da Coelce não iam estar sensíveis as intempéries. Por lá fui eu. Canela rasgou ao primeiro contato com a telha pontiaguda. Show! Raios! Muitos. 
Mas eu teria que andar mais um pouco. Cheguei no local dos fios, da Coelce, e um belo dilema: como passar sem encostar neles... meus amigos, nessa hora, passou mais um relâmpago que me fez translúcido e atravessei. Segurei na mão e fui com a água da calha cobrindo o pé.
Dai pra frente foi só descida. Opa, pera, desce por onde, se a escada tá doutro lado? Aciono alguém: pega a escada! A escada chega ao outro lado, e com ela o cachorro, impaciente, querendo subir também. Mais raios. Sento no muro do vizinho, com medo de alguém me ver e pensar: quem estaria num telhado hora dessas? Pois bem, o muro do vizinho tem uns pregos que mesmo batidos ainda causam atrito.
Aqui só me resta um "kkkkk" e mais um pedaço do calção se foi, fora a perna furada.
Mas salvei a casa da goteira. Sobrevivi. Ainda meio atônito, pois havia e houve um custo psicológico grande de não ter conseguido descer por onde subi.
Estava em êxtase pela façanha, mas pensativo de como o tempo passou mal pra mim. Anos antes eu teria subido sem escada, apoiando-me nos 2 muros, mão lá e cá, pé lá e cá, estilo rã. Pra descer? Era só pular! Mas o tempo é implacável com aqueles que param nele...
Ah, esqueci de dizer: quando passei pelos fio da Coelce, acabei quebrando outra telha. Choveu e adivinha? Tive que subir novamente. Só que essa história, é outra história...