segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

A morte como um acontecimento inevitável.

Por mais que eu não demonstre tanto assim, escrevo bastante, sobre tudo e sobre todos. Algumas palavras minhas só serão lidas pós-morte. Tenho um, digamos, diário gráfico e outro filmatográfico. Gosto de falar com meus sentimentos, mas, com o tempo, não por eles. Não sabemos o que há do outro lado dessa porta da vida. Morrer é uma passagem dolorosa, principalmente, como pude aprender com a morte de meu pai, para os enfermos. 

Nunca parei para falar sobre a morte como um fim; para mim, esta, é muito mais que um acontecimento, é um acontecimento inevitável. E por que não estamos preparados para ela? Negligência, soberba ou apenas medo mesmo? Nenhuma coisa e nem outra, não é natural nos prepararmos para ela. Não é natural esperar o fim, seja ele o nosso ou o dos outros.

A própria vida trata de negligenciar a morte. Não há como viver e pensar que um dia todos morreremos. Você pode até pensar nisso, vez por outra, mas será de uma forma romantizada ou olhando para um futuro distante. Não há nada como o agora.


Dentro de todas as caixas da nossa vida, haverá essa cobra venenosa, pronta para fincar seu veneno no nosso destino, a tirar-nos a vida. Desfalecidos, entorpecidos, os olhos semiabertos, aquela luz inebriante que nada nos diz, os sons abafados e inauditos, rostos tão perto de nós, mas ao mesmo tempo tão indescritíveis…poderá ser assim, mas não sei se é ou será; ninguém sabe.


Vi por quase 45 dias meu pai deitado no leito de morte. Eu não sei se ele sabia que ali seria seu fim, mas eu sabia e estive em paz com isso até chegada a hora. Segurei sua mão e vi seu último suspiro. Tudo que tinha para dizer eu disse, mas não naquela hora ou nos dias anteriores. Errei, acertei, "enchi o saco", dei sorrisos e aprendi, mas não naquela hora, nem naqueles dias, fiz isso antes.


Assim faço com todos, todos os dias, dou o máximo da minha presença, seja ela boa ou ruim. Não sou a pessoa mais agradável do mundo, mas não sou o tipo desagradável. Não sou mais ou menos, sou tudo ou nada. Aprendi com quem nunca me ensinou e vivo como quem nunca deixou de aprender.


Mais uma perda, inominável, mais um acontecimento, inevitável. Pessoas choram, sentem falta, se culpam ou mentem para si: “podia ter feito mais…” Não, não podia. Você fez tudo que queria e o que acha que não fez, não era para ter sido feito. O maior consolo para quem perdeu alguém que amava, está nas lembranças dos dias bons e ruins; está na “timeline” que é a vida, sem tempo para recomeçar. 


Nessa vida, que conheço e na que todo dia me despeço, nunca vi finais felizes e nem adeus com lenços brancos em acenos. Sempre vi cabeças baixas, olhos fluidos, caixões e cemitérios. Nunca me senti tão em paz com todos os dias que fui eu mesmo. Nunca precisei dizer adeus a ninguém, pois, na presença ou na ausência, todos souberam/sabem quem sou eu.

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